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Aqui jaz a rainha, gigante e imóvel, cada um de seus seis braços caídos e abertos, curvados, tomados de leves espasmos, como se esquecesse de que não estava mais viva. Aqui, na câmara ventral, em meio a nós, que só sabemos servir, que a vemos, mais deusa do que mulher, esta criatura tão grande que nem muitas de nós juntas poderíamos carregar, que cobre tudo, que alimentamos desde que nasceu. Nós, que a transformamos no que é, no que foi, olhamos para ela sem saber como continuar, sem suas ordens para nos dizer aonde ir e o que fazer.

Algumas de nós se aproximam. O corpo da rainha não apodrece, congelado em uma crisálida eterna, firme e seco, tornando óbvio o que já deveríamos saber: ela é grotesca. Deitada em almofadas confortáveis, a rainha está de abdômen para cima, os braços superiores estendidos em martírio, o par central dobrado de forma pouco natural, as pernas inferiores prostradas contra as paredes.

A Grande Mãe está morta, sussurram algumas de nós na câmara. Outras limpam o corpo, tirando a terra e o pó dos membros articulados, fazendo brilhar o tom terracota do esqueleto real. A ligação do pescoço da antiga soberana está partida, quase inteiramente decepada, e a dúvida se alastra por todas nós. As tiras de tecido orgânico parecem cortadas, como uma decapitação mal executada. A pergunta permanece no ar: o que faremos agora?

Por dias, o eco é nossa única companhia. Exoneradas do dever do trabalho, vagamos pelos túneis complexos que continuamos construindo sem fim, ou rondamos os jardins de fungos que cultivamos com tanto carinho e que agora parecem apenas carcaças brancas e entrelaçadas. No berçário comunal, as crianças se agitam, sentindo falta da comida que costumavam receber. Ribomba em nosso subterrâneo o título da rainha, a Grande Mãe, e cobrimos sua câmara com folhas igualmente mortas.

Não há motivo para deixarmos o corpo aqui — diz Vinca, passando em meio aos dedos desfalecidos de nossa regente. — A câmara real é muito maior que as outras. Poderia abrigar dois ou três berçários.

Não há berçário se novas crianças não nascem — nós respondemos. — E só a rainha pode ter prole.

Um arquivo, então — insiste Vinca.

Não há memória sem povo — respondemos. — E não há povo sem líder.

Ou uma plantação. — Vinca sobe pelas falanges do cadáver, andando pelas juntas do braço e parando acima do tórax. — Poderia ser maior que qualquer outro jardim. Com a umidade e o espaço que temos aqui…

Para que cultivar, se já estamos mortas?

Vinca encara nossa mãe de frente. A rainha descansa nua, como sempre esteve em suas suntuosas almofadas, parcialmente coberta pelo tecido carmim que espirala do seio até o meio de suas pernas inanimadas. Faz o corpo parecer apenas um corpo: belo, farto, materno, imenso, imaculado. Por um momento, é assim que a vemos, efêmera, não o fim de nossa linhagem, não a calamidade que parece ser, não a destruição iminente do formigueiro que decai, sem vida nova a ser gerada.

É um corpo e nada mais.

A mensagem é transmitida para todas em nossa rede compartilhada de pensamentos. Nossa mãe é apenas uma carcaça sem divindade. Não temos segredos umas com as outras — não deveríamos ter — não temos como ter. Somos mais do que indivíduos, somos a teia que nos conecta, a ossatura interna que liga todos os pontos deste formigueiro, onde visões e opiniões deslizam da cabeça de uma irmã para a outra, jorrando da mesma fonte infinita. Não temos segredos, mas a rainha segue morta e não sabemos quem a matou. O luto nos controla, mas não é direcionado a ela, e sim a nós mesmas. A sede de viver é palpável; queima nas gargantas de nossos túneis guturais, retorce os corpos das crianças que gritam suas súplicas e ativa um mecanismo antes desconhecido, o do instinto mais bruto de sobrevivência.

No berçário, outra voz:

Ainda temos alguma princesa? Achei ter visto uma ou duas outro dia — diz Hosta, enorme perto de tantas irmãs e, ainda assim, minúscula perante a rainha.

Acreditamos que não — respondemos. — A Grande Mãe comeu todas elas.

Os braços fortes de Hosta não foram feitos para crianças, e suas mandíbulas parecem pesadas e desajeitadas diante dos bebês pálidos. Ela toca em uma das larvas cuja película translúcida ainda não cristalizou no corpo resistente de uma adulta, e a menina se contorce como se tivesse sido queimada. Há berços de argila cozida espalhados pela sala, milhares deles, do chão ao teto, pequenos buracos escondendo criaturas igualmente pequenas.

Excelente. — Hosta deixa o bebê de lado e volta para o centro do berçário, de onde a observamos, tão acuadas por sua dureza quanto as crianças ficavam acuadas por sua força e tamanho. — Se por acaso virem alguma, ela deve ser alimentada como todas as outras; criada como todas as outras, sem condições especiais, sem privilégios, independente do que vier a se tornar. Entendido?

As babás assentem.

Essas mulheres idosas, esquálidas, cercam Hosta, espiando-a. Algo muda em nós. Nas profundezas de nosso lar, há quem comece a concordar com Hosta, enquanto outras sussurram que Vinca tem razão: por que não reutilizar a câmara real? Por que deveríamos ter outra rainha?

Hosta amarra um pedaço rasgado do pano carmim da Grande Mãe em um dos seis braços musculosos, e as apoiadoras a imitam, tecendo linho e tingindo-o de urucum para fazer a própria braçadeira.

Vinca faz o mesmo, mas, em vez do brasão vermelho no braço, cobre os ombros estreitos com parte do tecido, um xale escarlate improvisado. As companheiras, trabalhadoras rápidas e pequenas, passam tinta nos tórax expostos.

Nós concordamos; nós discordamos; nós duvidamos. Não sabemos quem está certa. Nem ao menos temos certeza se Vinca ou Hosta tem direito de reclamar ou sugerir, mas as palavras delas se espalham como incêndio em uma floresta. Nós, que tanto reverenciamos a rainha, agora vemos sua carapaça vazia e intocada como uma ameaça. Nós, que trançamos as ondas de suas antenas, deixamos agora que os fios se espalhem pelo chão, inúmeras raízes castanhas vindas da cabeça régia.

Ela, que nos pariu e governou, que escolhia quais de nós eram mais apropriadas para servi-la, quais estavam velhas e deveriam ser relegadas aos berçários, quais deveriam fazer trabalho braçal, quais deveriam escavar mais túneis que se abriam para câmaras e mais câmaras. Tudo isso do conforto de suas almofadas, alta, melancólica e silenciosa, sem dizer nada. Bastava erguer um dedo e a ordem era marcada em nossa cabeça e entendida por nossas companheiras: você, tão corpulenta, para o esquadrão. Você, arquiteta, trabalhe o barro. Você, minha criada.

Nossas irmãs minúsculas subiam por seu torso, puxando o tecido para cobrir um seio, trançando as antenas que se alongavam a cada ano, chegando a milhas de comprimento. Seus três olhos compostos, vermelhos e escuros como o solo de nossa casa, nunca olharam para nós.

Outra ideia agita o formigueiro.

Se quisermos salvar o jardim, precisamos trazer novas aprendizes para cá — diz Siena, uma das poucas anciãs fora dos berçários. Não tem uma das pernas, mas entalhamos um pedaço de madeira para ela, fazendo articulações quase perfeitas que escondem o mecanismo acoplado. A prótese é empalidecida por sua tez de rútilo, mas ajuda com que se locomova com mais facilidade. — Gostaria de chamar algumas meninas do esquadrão, já que elas têm um grande número de reservas.

As jardineiras se entreolham.

As que sugavam o vinho fermentado com canos esculpidos erguem o rosto, confusas. As que podavam as partes mais longas dos arbustos de levedura deixam as ferramentas de lado. As que colhem os delicados cogumelos bioluminescentes que iluminam o subterrâneo congelam, as mãos paradas nos chapéus planos ou nos estipes que os sustentam.

O esquadrão só sabe fazer o que nasceu para fazer — dizemos. — São fortes e mais nada.

Elas sabem apenas o que aprenderam — rebate Siena. — Disseram a elas que são grandes e robustas, então lutam. Mas têm braços como os nossos, e a mesma capacidade de compreensão, atenção e cuidado. Podemos ensiná-las.

Nem todas sabem aprender — insistimos. — Nem todas querem.

Siena caminha sob as luminárias fúngicas, centelhas azuladas bruxuleando sobre sua cabeça. A pele dela é dura e ressecada como couro, fruto da idade, e suas mãos habilidosas abrigam dedos vincados e quebradiços. As ferramentas deixaram marcas em seu corpo, criando sulcos como os de um tronco cinzelado, e seus membros têm cicatrizes de queimaduras do ácido das mordidas e do veneno de algumas das espécies que cultiva.

Todas podem aprender. Todas têm o direito de tentar.

As babás são muito velhas e não aprendem mais nada. A vigília nunca desce para as câmaras inferiores, fica lá em cima de patrulha, vendo um mundo que não é o nosso. As criadas foram feitas para limpar o aterro e servir a rainha. — O coro de vozes parece retumbar pelos caminhos espiralados do formigueiro. Vinca e Hosta erguem a cabeça, ouvindo mesmo sem estarem lá. — Se deixarmos de sermos quem somos, estamos condenadas. Se mudarmos, morreremos.

Então podemos começar a queimar o jardim, soterrar os túneis e fechar as entradas — diz Siena. — Se ficarmos como estamos, já estamos mortas.

A mudança nos assusta. Sempre assustou. O medo corre livre por nosso labirinto, e com ele vem a expectativa de que algo aconteça. Contávamos que nossa rede mental fosse suficiente para descobrir o que fazer em qualquer situação; que a fábrica que compôs todas as colônias antes da nossa, a linhagem de rainha após rainha até chegar à nossa monarca morta, nos dissesse, exatamente, qual a solução para essa equação. Mas não diz. Estamos aqui, tontas, divididas entre três influências e nenhuma. Aos poucos, conseguimos sentir nossas companheiras se afastando da mente-mãe, pensando fora da teia invisível que nos conecta.

As desertoras andam pelos corredores, pintadas ou vestidas, sempre de vermelho. O vermelho real virou comunal: é a cor que as obreiras usam ao escavar uma nova sala, é o tom que enfeita as escadas que levam à saída do formigueiro, é o fio que costura os toldos de folha ao redor da torre de vigilância. Cobrimos as crianças com mantas escarlate e marcamos com urucum os cogumelos que precisam de traslado.

Sem a segurança do superorganismo, Vinca sente-se perdida. Nunca quis o papel de líder. Quis, sim, a posição de crítica; nunca gostou da Grande Mãe nem da forma com que sacrificava as operárias em nome da colônia. Não suportava vê-la cercada de servas que a abanavam com folhas, o sumo dos frutos que as coletoras traziam escorrendo por sua mandíbula hipertrofiada. Ansiava pelo dia em que todas pudessem partilhar o manjar perecível que transportavam da superfície, ou que pudessem dormir em câmaras espaçosas e confortáveis como a da rainha.

Nada disso significa um desejo de substituí-la.

Vinca sai das sombras de um dos corredores após passar o dia inteiro tentando encontrar Hosta sozinha.

Apesar de tudo, nós concordamos — começa Vinca. — Não quero que escolham outra rainha. Não quero, na verdade, ninguém que nos olhe de cima.

Hosta a encara. Como uma das trabalhadoras braçais, pequenas, ágeis e precisas, Vinca é quase indefesa frente a uma das batedoras do pelotão. As antenas pardas estão amarradas com uma tira vermelha, enroscada para formar uma quase trança que descansa sobre o ombro. A cintura estreita desaparece debaixo do xale. Os seis membros se posicionam, alarmados.

Pode até ser — responde Hosta. — E se concordarmos?

Vinca a olha de volta. Hosta, com as antenas curtas, os cinco olhos pequenos, o rosto duro e apertado. Hosta, com uma longa cicatriz na frente, conquistada após uma batalha bem-sucedida contra as invasoras de outra colônia. Hosta, com faixas rubras amarradas nos punhos, apertadas no peito. Hosta pode atacá-la, mas não vai. Pode devorá-la, mas não vai. O superorganismo deixou em todas o velho instinto de sobrevivência.

Também ouvi dizer que está de acordo em liberar a câmara ventral — continua Vinca. — Já pensou no que fazer com o corpo?

Por mim, cortar em pedaços e alimentar o berçário com o que sobrou. — O tom de Hosta é feroz, e Vinca tenta se afastar quando a outra a agarra pelo pulso, torcendo uma das articulações do braço fino como um graveto. — Nem todas parecem concordar.

Vinca trava a mandíbula, pensativa.

A divisão é mais preocupante que a utilização da câmara. Se continuarmos assim…

Se continuarmos assim, perecemos — finaliza Hosta, soltando-a. — É isso?

As outras ainda estão presas ao afeto que sentiam pela Grande Mãe. Ou, talvez, pelo afeto que sentem por nossa própria história… — Vinca se esquece da inimizade passageira, sentindo a necessidade urgente de se jogar nos braços de Hosta. Enfim, dá-se conta de que foi abandonada pela intrincada malha mental que nos une. Não tem mais o alento de nossa conexão biológica, nem a tranquilidade da isenção. Precisa fazer as próprias escolhas e chegar às próprias conclusões. Nem mesmo os escritos ancestrais que todas carregamos em nossa genética parecem acessíveis a ela, e tudo que lhe resta é uma igual: Hosta. Vinca prossegue: — Talvez seja esse o problema. As outras também importam. Precisamos ouvir o que querem e, talvez, ceder no que precisar ser cedido. Se o preço de não termos mais uma rainha é manter a memória-corpo, então que seja. Podemos acatar como um pequeno sacrifício.

As duas trocam olhares. Hosta também sabe que foi expulsa da consciência do enxame e, por mais que custe a admitir, sente no tórax a falta da estrutura. Agarra Vinca pelo rosto, encostando testa e antenas. A igualdade é reconfortante. Sim, ainda é possível ter o que tinham antes da perda.

Talvez, então, seja hora de perguntar — admite Hosta. — Mas por onde começamos?

Nós conseguimos sentir quando as irmãs extraviadas estão voltando. Ouvimos seus passos, subindo pelos túneis estreitos, passando pelas salas ocas. E, enquanto elas se dirigem ao jardim dos fungos para falar com Siena, todas nós murmuramos uma canção distante, marchando rumo à câmara ventral.

Siena, por outro lado, ensina para uma das vigilantes como fazer a levedura crescer e virar pão, enquanto suas ajudantes mostram a um par de babás onde os cogumelos luminosos devem ser colocados.

Preferimos organizar as luzes no chão do berçário para não acordar as crianças; no quartel-general, colocamos tudo no teto a fim de maximizar a iluminação.

Hosta e Vinca chamam a anciã em voz baixa, como se soubessem, instintivamente, sobre nossa crescente congregação na sala central do formigueiro. Talvez ouçam a vibração de nossos passos, ou talvez sejam os resquícios da mentalidade coletiva que diz voltem, voltem, voltem. Pelos canais escavados, nossa canção retumba, reverberando o coro de milhares de vozes assim como o coração bombeia a hemolinfa.

O melhor que podemos fazer é decidir juntas — concorda Siena, duas das mãos direitas tomando o braço de Hosta e duas das mãos esquerdas tomando o braço de Vinca. A idade a tornou mais calorosa que as outras. — Nascemos todas aqui, e as que não nasceram foram criadas nesta colônia. Se a Grande Mãe deixou alguma herança, que seja este lugar.

Unidas, as três fazem a mesma peregrinação até os aposentos reais. Saem do jardim de fungos, atravessam as salas de construção, o berçário, os túneis que serpenteiam para fora do quartel, as escadarias dos torreões. Finalmente nos encontram, e abrimos passagem para elas, nossos muitos corpos se movendo como um só.

A rainha continua no mesmo lugar, mas os espasmos já pararam. Alguém acomodou seus membros harmoniosos nas almofadas, de forma a parecer que ela está presa em um sono profundo. Há tantas de nós que nos apinhamos por todos os cantos, subindo as paredes, apertadas, sentadas nas pernas e no torso da mãe perpétua.

Os caracóis de suas antenas régias estão enfeitados com folhas, e seu pescoço cortado traz uma guirlanda de fungos cintilantes.

Elas não precisam nos chamar nem pedir atenção. As mandíbulas pesadas dos pelotões clicam, trincando os dentes, fazendo o som ressoar em nossa caverna. As luzes tremulam. As babás trouxeram as crianças, as coletoras deixaram um rastro de plantas e fiapos de carne pelo chão. As obreiras estão manchadas de terra. Algumas estão pintadas de vermelho, outras não. Mas todas, até mesmo as repelidas, conectam-se à teia ocre de nossa mente única.

A rainha está morta, fato que só agora compreendemos.

Sem rainha, não há prole, mas algumas de nós se lembram de outras vidas que ocorreram antes destas, onde operárias foram capazes de repor as crianças do berçário. Não sabemos como, não ainda. Não é um problema. Juntas, podemos construir paciência.

Além disso, temos filhas vivas. Filhas que se contorcem, exigindo atenção, nossas pequenas bocas famintas. Temos irmãs que aprendem, que não são apenas os limites impostos a elas. O jardim se espalha pelos corredores, invadindo outras câmaras, benigno. As coletoras sabem o que trazer para aumentá-lo; sabem até mesmo como modificar as espécies que já temos e incluir outras no cultivo. As ajudantes querem acompanhá-las até o lado de cima. Nunca vimos, elas dizem, dizemos.

Mas não tirem a Grande Mãe daqui, pedimos. Foi daquele ventre vazio que saímos. Não queremos uma substituta, não queremos uma líder nem duas. Queremos o que sempre quisemos — o que temos quando estamos juntas. Cada um dos braços gigantes é uma memória que mantemos. Talvez seja o arquivo que Vinca tanto queria. As antenas espiraladas nos lembram do que já fomos. Lembram às criadas que a limpavam, mimavam e alimentavam e dizem: nunca mais. Lembram às coletoras que suavam os perigos da superfície para trazer oferendas até a rainha: o trabalho não deve ser um sacrifício.

Lembram às babás, relegadas ao escuro constante do infantário: a idade não é o fim da vida. Lembram aos esquadrões que invadem colônias inimigas e defendem as barreiras do formigueiro: morrer e matar não é mais preciso. Lembram às jardineiras e arquivistas de que o conhecimento deve ser repartido. Lembram às obreiras de que merecem o conforto das câmaras que elas mesmas cavaram.

Clicamos as mandíbulas.

O formigueiro é nosso, sempre foi. O formigueiro é de nossas filhas. Ele se estende por toda a terra que pisamos, pelo barro que moldamos, as sementes que colhemos. Ele corre pelas veias frutificadas do jardim, condensa-se nas trufas marmóreas que nos alimentam. Ele é parte de nossos corpos articulados, de nossas existências entrelaçadas.

O coro de vozes se cala. A colmeia nos lembra que não somos apenas enxame; somos nossos próprios organismos. Uma a uma, nos olhamos, compreendendo. O comprometimento é uma carga árdua; nunca antes fomos obrigadas a suportar seu peso.

Ser uma pessoa só é intolerável, sempre pensar por todas é restritivo. A rainha, estirada em seus travesseiros, continua sem vida.

Vinca se aproxima das vasilhas de mel, antes restritas à realeza, e Siena reparte porções generosas do néctar açucarado em tigelas de folha trançada. Hosta pega a própria cumbuca e encara o rosto exausto na superfície âmbar e viscosa. Os olhos compostos, as antenas marcadas. Quando vê que pouco sobrou para Vinca, faz uma concha com os dedos e leva o mel à boca da outra.

Mudamos — todas cantamos, sentadas em círculo. Temos muito a discutir, muito a aprender, muito a opinar. — Mudamos, continuaremos mudando, sempre mudaremos.

 



H. Pueyo is the Argentine-Brazilian writer and translator of But Not Too Bold (Tordotcom, 2025) and A Study in Ugliness & Outras Histórias (Lethe, 2022). Her short fiction has appeared before in Magazine of Fantasy & Science Fiction, Clarkesworld, Strange Horizons, and The Year’s Best Dark Fantasy & Horror, among others. You can find her online at hachepueyo.com.